quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Transações perigosas


 Existe um constante 'cabo de guerra' entre os contribuintes e o fisco. O Fisco que tem como missão buscar reduzir ao mínimo a diferença entre a arrecadação potencial e a obtida e o contribuinte que busca constantemente reduzir seus encargos tributários.
De um lado, temos a crescente necessidade de recursos financeiros por parte do Estado, responsável por manter sua própria estrutura e disponibilizar à sociedade os serviços de que essa necessita. E do outro, o sujeito passivo, que mesmo ciente da importância da manutenção da atividade estatal, naturalmente, não tem o desejo incontido de pagar tributos, e busca, constantemente, meios para reduzir a carga tributária que o atinge. 
Nesse cenário, o conflito é natural, seja materializado em discussões administrativas ou ações judiciais. O litígio é inerente ao processo de administração do crédito tributário. Com o crescente número de disputas abarrotando a já emperrada máquina judiciária, cresceu o interesse por meios alternativos de solução de controvérsias. E, dentre as formas de autocomposição, foi aventada faz poucos anos a regulamentação da transação, que é um ajuste direto entre as partes.
O instituto da transação é naturalmente associado ao direito privado, tendo em vista ser esse um acordo de vontades que envolve bens disponíveis.
A utilização do instituto para extinção de créditos tributários é muito criticada, sobretudo sob a alegação de ofensa a princípios como o da indisponibilidade do crédito tributário, legalidade e isonomia.
Por essa razão, a transação, em nosso País, foi muito pouco aplicada na seara tributária, havendo aqueles que entendam que tal nunca deveria ocorrer, por ser a transação incompatível com o Direito Tributário ou, numa visão ainda mais radical, por ser inconstitucional o artigo do CTN que trata do instituto.
O uso da transação é tão incipiente em nosso País que o tema é tratado muito superficialmente, ou praticamente não é abordado, nos tradicionais manuais de direito tributário.
Por entender ser o tema complexo e instigante, procurei estudá-lo a fundo e cheguei à conclusão que o chamado projeto da Lei Geral de Transação Tributária, apesar de assim se intitular, de transação tinha muito pouco. Visando incrementar a eficiência na recuperação do crédito este ofendia os princípios da legalidade, da indisponibilidade do interesse público, da isonomia e da livre concorrência.
Com as alterações que se pretendia introduzir no art. 171 do CTN havia uma clara tentativa de descaracterizar o instituto da transação. Pretendia-se criar um novo instituto no direito que seria uma 'transação tributária' em que apenas uma parte, Estado, cederia seu direito, sem contrapartida, e não para extinguir um litígio mas para compor um conflito, econômico por exemplo, como a dificuldade de o contribuinte adimplir suas obrigações tributárias, sem a necessidade de lei específica, ou seja, de forma discricionária. Seriam verdadeiros perdões tributários com a roupagem de transação.
Havia no projeto a previsão de que fossem criadas Câmaras Gerais de Transação e Conciliação que teriam o poder de conceder tais remissões, anistias e parcelamentos “disfarçados” de transações, sem a necessidade de que tais negociações passassem pelo crivo de nenhum outro órgão, e, pior, essas poderiam ser feitas em sessões sigilosas, sem previsão de que fosse dada publicidade nem mesmo às suas decisões.
Não foi por outro motivo que fique perplexo ao ler uma reportagem da Revista Época dando conta que foi criado um grupo para avaliar em conjunto com membros da iniciativa privada normas tributárias que estão no centro de uma disputa judicial, ou seja, sobre as quais a discussão já extrapolou a seara administrativa. O pitoresco fato de a reunião contar com a participação de um ex-subsecretário apenas temperou um pouco mais a questão.
Segundo alega a reportagem, para dar transparência às demandas do setor privado criou-se na Receita Federal um grupo de trabalho sobre o qual não há rastro no Diário Oficial. A minha maior preocupação é a de que se estaria na “marra” inaugurando a pratica desta nova “transação tributária”, cujo conflito, meramente econômico, seria solucionado através de uma reunião que, não vazasse para impressa, seria sigilosa.
As anistias e as remissões que foram concedidas por lei já têm um reflexo deletério para a administração tributária, ao desconstruir a imagem de rigidez e justiça fiscal. Imaginem a administração tributária, constantemente e de forma discricionária, conceder tais benefícios reinterpretando as normas conforme uma resultante de pressões sofridas por grandes contribuintes.
O papel correto de uma Administração Tributária eficaz é o de zelar pela arrecadação espontânea, combater a evasão fiscal e punir de forma exemplar o sonegador.

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