quinta-feira, 14 de julho de 2011

MEU PIN CAIU Parte I (inferno)

Perdi meu PIN e com ele meu mundo caiu. Eu já não era mais nada, ou pior, eu já era. Pelo menos na RFB eu não mais servia. Meus trinta anos de dedicação ao serviço público esvoaçaram-se em uma nuvem de desprestígio. Meu cebolão não passava de um broche de lata sem Autoridade alguma, fiquei sem poder trabalhar. Na busca do respeito dos colegas e até de minha autoestima perdida, dirigi-me aos porões do anexo do Ministério da Fazenda na via N2 e recorri a meu último vínculo com o mundo real.

Meu crachá me salvaria, com ele eu teria acesso às profundezas do subsolo. Tive que virá-lo para expor minha fotinha de dez anos de idade e alguns milhares de fios de cabelo a mais, para que o porteiro, que não chama-se Caronte e sim Raimundo, conhece-me há anos, mas tem ordens para celebrar o ritual do cara crachá com todas as almas penadas que adentram o prédio, permitisse-me cruzar a arqueôntica porta giratória e, desesperado já no elevador, buscasse um Virgílio para guiar-me.


Só encontrei o Ildomar, nosso Espei mor. Silencioso como convém a um Espei do Brasil, principalmente em um elevador, cumprimentou-me com um discreto gesto de abanar a mão espalmada diante do nariz. Nos trinta metros de limbo que cruzamos entre o elevador e a sala em que buscaríamos a redenção, descobri que o assunto a tratar do coordenador era similar ao meu.

Entramos juntos na sala 28B e percebi que ele já era esperado, eu, um estorvo. Somos, aliás, ele é recebido por uma moçoila com cara de Francesca de Rimini. O Espei da Receita, discretamente como convém, apenas mostra o cartão azul e é convidado a sentar-se diante de um computador. E iniciam um ritual de “introduza seu pin”, “ponha sua senha”, “digite isso”, “digite aquilo” que duraria uma boa meia hora.

De pé, sentindo-me intruso, procuro não atrapalhar o colóquio. Busco desesperadamente outra nereida que me atenda e interrompo uma funcionária que estava fazendo algo importante e olhou-me muito irritada com meu pigarrear.

Aproveitei o átimo de atenção para explicar que pela manhã ao tentar ligar meu computador, a máquina infernal respondera-me com um desaforado “seu certificado foi bloqueado”. Com ar de pouco caso, respondeu-me a nereida com uma pergunta:

__Seu Pin caiu?

Na minha idade, perguntas como esta, feitas de chofre, fazem corar a calva. Fiquei mudo e vermelho. A mocinha sorriu maldosamente e disse que eu deveria esperar o coordenador receber o “token” dele para que a atendente pudesse resolver meu caso.

Fiquei até satisfeito, também receberia um “token” para substituir meu surrado e idoso Pin? Claro que não. Meu pin seria revogado e depois restabelecido. Bastão, por enquanto, só para coordenadores.

O Ildomar, talvez incomodado pelo meu testemunhar da cena ou pela ansiedade da Francesca de Rimini, errava procedimentos, punha senhas erradas e prolongava meu martírio. Por fim, empunhando orgulhosamente seu novo “token”, despediu-se discretamente como convém a um espei de onde quer que seja.

Começou minha meia hora, meia não, uma e quinze minutos de suplício. É que meu Pin, mesmo revogado e restabelecido, teimava em não sensibilizar a ranhura da maldita máquina computadora. As mocinhas confabulavam em busca de uma solução, passam-lhe uma borracha, esfregam-no na barra da saia e nada, meu pin não entrava. Até que untaram-no com uma substância viscosa e depois de, carinhosa e diligentemente, aplicarem uma massagem com uma flanela conseguimos, cruzando os dedos, que o maldito Pin entrasse.

Saí daquele infra solo exultante com meu Pin restabelecido. Mal sabia eu que ainda teria de passar por um purgatório de procedimentos até poder novamente acessar meu Notes.


Leia mais: Meu Pin Caiu (Intermezzo)
               Meu Pin Caiu Parte II (Purgatório)
               Meu Pin Caiu Parte III (Paraíso)
                       A Queda do Pin (Gran Finale)
                   


4 comentários:

  1. Marcelo Calheiros Soriano15 de julho de 2011 às 04:33

    Nos porões do Anexo do MF perderás toda a esperança!

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  2. Meu pin já havia caído também, há uns dois meses, e passaram um bom tempo para fazer ele subir de novo. Apesar de não ser uma citação erudita, como as suas, explica, foi algo tipo a "pipa do vovô não sobe mais". E isso foi realmente só o começo, seguiram-se os problemas com o Notes. Num esforço para popularizar a obra de Dante, a RFB leva todos os colegas para uma caminhada pelos círculos do inferno. Claro que os pacotes são diferenciados para gestores autoridades administrativas e mão-de-obra autoridade fiscal.

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  3. Num momento de glosa, é inaceitável que seu pin caia.

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  4. Encontrei hoje com o Copei do Brasil em um restaurante da 102 Sul. Discreto como convém, reclamou-me desta postagem por ter grafado incorretamente o seu(dele) nome _ Faltou um L. o colega chama-se ILDOMAR e NÂO IDOMAR. A INJUSTIÇA FOI CORRIGIDA: revejam o texto.

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